Archivos de Ciencias de la Educación, vol. 16, nº 21, e103, junio-noviembre 2022. ISSN 2346-8866
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Departamento de Ciencias de la Educación

Dosier: Didáctica de las Matemáticas.
Un análisis político e ideológico sobre saberes y prácticas

Matemática do Céu, Matemática da Terra e Matemática do Sapiens

Bernard Charlot

Universidad de Paris 8, Francia
Universidad Federal de Sergipe, Brasil
José Dilson Beserra Cavalcanti

Universidad Federal de Pernambuco, Brasil
Veleida Anahí da Silva

Universidad Federal de Sergipe, Brasil
Cita recomendada: Charlot, B., Cavalcanti, J. D. B. y Silva, V. A. da (2022). Matemática do Céu, Matemática da Terra e Matemática do Sapiens. Archivos de Ciencias de la Educación, 16(21), e103. https://doi.org/10.24215/23468866e103

Resumo: Será que o ensino da Matemática é também um assunto ideológico e político, apesar da representação da Matemática como conjunto de ideias abstratas? O objeto matemático é instrumento na vida social e, muitas vezes, ele funciona como argumento implícito, em um uso retórico a serviço de um projeto ideológico e político. O artigo defende a tese de que a questão chave é a da relação com a Matemática, que tem implicações ideológicas, políticas e identitárias. Ele analisa três tipos de relações: com a Matemática do Céu, com a Matemática da Terra e com a Matemática do Sapiens. “Fazer matemática” pode ser aceder a um mundo de Ideias puras, descobrir as estruturas profundas do mundo ou, como se sustenta neste artigo, participar de uma atividade coletiva dos seres humanos, no decorrer da sua história. A atividade matemática é uma forma particular de se apropriar o mundo, de criar mundos simbólicos específicos e de se assumir como sujeito de saber, sujeito singular e membro de uma espécie chamada Sapiens. Portanto, obviamente, sempre a matemática é, ao mesmo tempo, uma atividade científica, social e antropológica.

Palavras-chave: Ensino de Matemática, Relação com o Saber, Ideologia.

Mathematics of the Sky, Mathematics of the Earth and Mathematics of the Sapiens

Abstract: Is the teaching of mathematics an ideological and political issue too, despite the representation of mathematics as a set of abstract ideas? The mathematical object is an instrument in social life and, often, it functions as an implicit argument, in a rhetorical use serving an ideological and political project. The article defends the thesis that the key issue is the relationship with Mathematics, which has ideological, political and identity implications. He analyzes three types of relationships: with the Mathematics of Heaven, with the Mathematics of the Earth and with the Mathematics of Sapiens. “Doing mathematics” can be accessing a world of pure Ideas, discovering the deep structures of the world or, as this article maintains, participating in a collective activity of human beings, throughout its history. Mathematical activity is a particular way of appropriating the world, of creating specific symbolic worlds and assuming oneself as a subject of knowledge, a singular subject and a member of a species called Sapiens. Therefore, obviously, Mathematics is always, at the same time, a scientific, social and anthropological activity.

Keywords: Mathematics teaching, Relationship with Knowledge, Ideology.

Introdução

Querendo ou não, ensinar matemática é dizer

alguma coisa sobre a Matemática, sobre o homem e

sobre a sociedade (Charlot, 1991a, p. 132).1

Será que o ensino da Matemática é também um assunto ideológico e político? Expresso dessa forma, direta e radical, o tema de reflexão proposto aos autores desse dossiê pode parecer estranho. Com efeito, nas representações comuns, o matemático é um personagem um tanto perdido nas suas nuvens abstratas, longe das paixões e dos alvoroços da política, que nem o professor Girassol das Aventuras de Tintim. Contudo, permanecendo no mundo das representações e das fantasias, suspeita-se que o cientista tenha acesso a segredos do mundo, que se trate de uma harmonia pitagórica ou de uma fórmula matemática que exprime o fundamento do universo, F= m.a de Newton ou E= m.c2 de Einstein.2 Mais um pequeno passo para frente e podemos pensar que talvez o segredo do mundo social seja também matemático. Por que não, se podemos saber quem será eleito Presidente da República vários dias antes que os eleitores saiam de casa?

Mas a função do trabalho científico é de ir além das fantasias e até de compreender como elas se originam. Abriremos a reflexão ao nível mais simples: o da vida cotidiana e das suas práticas sociais. A seguir, trabalharemos sobre o que é “fazer matemática” e sobre as várias dimensões da relação com a Matemática. Sustentaremos a tese de que não é a Matemática que pode ser política, é, sim, a relação com a Matemática, enquanto forma particular de relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo - relação construída, por boa parte, na escola, com suas práticas de ensino.

O número como instrumento e como argumento implícito

O objeto matemático é instrumento na vida social: usam-se números, operações aritméticas simples, medidas, às vezes figuras, em práticas cotidianas básicas, como pagar uma mercadoria ou marcar um horário, e em práticas profissionais mais especializadas, quando se é babá, pedreiro, arquiteto etc. Conforme as teses de D’Ambrósio sobre a Etnomatemática (2005), os processos de organização, classificação, inferência, medição, contagem, que hoje chamamos de matemáticos, são manifestações encontradas em todas as culturas, juntamente com outras formas de conhecimento relacionadas às artes, religião, música etc. Desse modo, a matemática é conceituada por esse autor como uma estratégia intrínseca da espécie humana no percurso histórico de sua existência “na busca de explicar, entender, manejar e conviver com a realidade seja ela sensível, perceptível, e com seu imaginário, não excluindo o contexto natural e cultural no qual esteja inserido” (2005, p. 102).

A pesquisa de da Silva (2009) sobre a relação com a Matemática de alunos brasileiros dos anos iniciais do ensino fundamental mostra que, para eles também, a matemática é, antes de tudo, uma prática usando números – prática escolar, social ou profissional. A autora investigou o sentido de estudar a Matemática, atribuído por esses alunos. A partir do que disseram os próprios alunos, a autora sintetiza três categorias de respostas. Conforme a primeira, “aprende-se a matemática porque é ensinada” (Silva, 2009, p. 119). Para 30% a 50% desses alunos, a matemática “não passa de um objeto escolar”, a ponto de negarem que haja matemática fora da escola (Silva, 2009, p. 119). De acordo com a segunda, “aprende-se a matemática porque ela é imprescindível na vida cotidiana: para verificar o seu troco, comprar coisas, contar dinheiro etc.” (Silva, 2009, p. 120). A terceira, por sua vez, sinaliza que “ela é necessária para ter um bom emprego mais tarde” e os alunos citam, em particular, vendedor, balconista, caixa, bancário, contador, pedreiro, costureira, babá (Silva, 2009, p. 120).

Merece destaque o fato de que, nas representações dos alunos, a matemática como instrumento na vida social é muito ligada ao dinheiro. De fato, o dinheiro funciona como equivalente universal: independentemente da religião ou da cultura, todos o utilizam para trocar mercadorias. Essa troca requer uma comparação, que o dinheiro possibilita: cada mercadoria é avaliada em unidades monetárias e a comparação dos valores permite uma troca. Até o trabalho é considerado como mercadoria, como mostrou Marx (2011): trabalha-se e recebe-se dinheiro, que permite comprar o que tem o mesmo valor. Assim, o dinheiro desempenha a função de instrumento de medida de todas as coisas e atividades. O instrumento dessa mediação universal não é a matemática, é a forma monetária, e o processo de estabelecimento do valor de qualquer coisa é, de fato, muito conflitual. Mas, precisamente porque o dinheiro é um universal, para ser usado em contexto ele precisa de uma determinação, que a Matemática lhe fornece. Sem a matemática, que define unidades e quantidades, o dinheiro não pode funcionar. Mais ainda: nesse campo eminentemente conflitual de avaliação dos objetos e das atividades, o uso da matemática introduz uma forma de racionalidade e de consenso. Na sua ingenuidade, as crianças de 6 a 11 anos entenderam isso muito bem: nossa vida social precisa de matemática porque ela repousa no dinheiro. Mas a racionalidade matemática não elimina a desigualdade: entre as profissões que requerem a aprendizagem da Matemática, essas crianças citam também advogado, modelo, juiz, jornalista (Silva, 2009, p. 121), isto é, profissões prestigiadas e lucrativas – pelo menos na representação dos jovens. Como escreve um aluno de 3º ano: “Tem profissões que não são muito boas, mas tem umas que são boas, mas para isso tem que estudar muito matemática” (Silva, 2009, p. 53).

Já se percebe, a partir dessa primeira análise, que o objeto matemático não é apenas um instrumento na vida social. De fato, há numerosos casos em que a análise revela uma função retórica do objeto matemático, usado como argumento implícito.

Consideremos o caso no qual um banco insiste no fato de que você vai pagar apenas 8% de juros por ano para comprar seu apartamento. O argumento implícito, paradoxalmente, é claro: afinal, 8% é pouco e, portanto, vale a pena comprar. No entanto, o banco silencia o fato de que, em trinta anos, você vai pagar três vezes o preço do apartamento. Tomemos por exemplo, também, a situação na qual uma loja oferece um desconto de 20% na compra de um vestido por causa de um pequeno defeito. A efeito de reflexão, poderíamos ponderar as razões para adquirir tal vestido por causa do respectivo desconto, no qual o objeto matemático (20%), seria um argumento implícito para a tomada de decisão. Valeria a pena? Ah, ninguém vai prestar atenção nesse defeito – seria uma boa razão. Não obstante, saber que o defeito existe poderia diminuir o prazer de ter esse vestido novo. Mas esse desconto pode até aumentar o prazer de adquirir o vestido, pois seria uma prova de que sou esperta em minhas compras. O percentual do juro ou do desconto, expressão matemática, inscreve-se em um quadro muito mais amplo: o conjunto das relações da pessoa com a vida, consigo mesma, com o dinheiro – e com esse apartamento ou esse vestido. Portanto, inscreve-se em relações de sentido e valor em nível subjetivo e, às vezes, ideológico.

Há casos também nos quais essa função retórica da matemática se torna quase explícita como, por exemplo, os das pesquisas de opinião, sobretudo na área eleitoral e política. Oficialmente, essas pesquisas têm apenas a função de informar sobre a opinião pública. Contudo, de fato, elas acabam por exercer influência nessa opinião e, portanto, contribuem para produzi-la – a tal ponto que, em vários países, sua publicação passou a ser proibida nos dias anteriores à eleição. Elas chamam a atenção para o que é assim pesquisado: se é avaliado, deve ter valor. Ademais, elas podem produzir uma mobilização: se meu candidato preferido aparece nas pesquisas com 48% das intenções de voto, falta-lhe pouca coisa e, portanto, vale a pena que eu me mobilize para ir votar e para incitar meus amigos a votarem – como aconteceu, por exemplo, nas eleições senatoriais de Geórgia, nos USA, no início de 2021.

No Brasil, a influência das pesquisas também é contundente em eleições majoritárias acirradas gerando o efeito conhecido como voto útil – ou tático, no qual os eleitores abrem mão, estrategicamente, de votar em seu candidato preferido para votarem em outro que tem mais chances de impedir a vitória do candidato indesejado. Há também os casos nos quais as pesquisas influenciam o comportamento dos eleitores que mudam o voto no final para não perderem o voto, no sentido de que o voto tem valor quando associado à vitória.

O uso dos resultados de uma pesquisa de opinião possibilita também uma manipulação simples: fazer aparecer no título de um artigo de jornal o percentual obtido pela opinião que agrada ao jornal. Por exemplo, o título, grafado em caracteres maiúsculos, anuncia que 45% da população são a favor de tal decisão, enquanto isso significa, em verdade, que 55% são contra a decisão ou não têm opinião alguma sobre o tema.

Como no caso da análise do dinheiro, novamente a questão é a de saber o que é atribuível à própria matemática. Os efeitos que acabamos de evocar são produzidos por uma operação de informação – comunicação – propaganda, e não diretamente pela matemática. Entretanto, como no caso do dinheiro, o uso de números e percentagens não é neutro. Dizer que meu candidato vai ganhar a eleição com 65% dos votos não é estritamente equivalente a dizer que ele é bem melhor do que seu adversário. Bem como dizer que, nos Estados-Unidos, Al Gore perdeu a eleição a Presidente de 2000 por 537 votos na Flórida em mais de 6 milhões de votos no estado e mais de 100 milhões de votos no conjunto dos U.S.A não é igual a dizer que perdeu por um triz – ademais, perdeu apesar de ter ganhado mais votos, já que recebeu 48,4% dos votos dos cidadãos dos USA, por 47,9% a favor de George W. Bush. Concluindo neste ponto: o uso de números ou percentuais dá ênfase e força aos argumentos defendidos em um debate ou às preferências frente a uma escolha.

Nesse contexto podemos considerar, aliás, o que está acontecendo neste momento em que estamos escrevendo estas linhas, momento da pandemia Covid-19 no Brasil. A Coronavac, vacina “chinesa”,3 tem uma eficácia de 50,3% ou de 78% ou de 100%? Os seguidores do Presidente do Brasil, que pensam que tem de deixar morrer os mais fracos e resistem à vacinação, irão responder: 50,3%. Os seguidores do governador do Estado de São Paulo, que quer aparecer como grande promotor de vacina, na perspectiva das futuras eleições presidenciais, irão responder: 100%. Qual é o percentual “exato”? Não tem. Isto é, um percentual de eficácia de uma vacina não é, ipso facto, absoluto, mas sim, uma estimativa que depende de muitas variáveis – método, tamanho da população estudada, grupo da população (risco alto, risco baixo) etc. Além disso, tais percentuais referem-se a categorias distintas. Assim, o percentual 50,3% refere-se à eficácia geral da vacina que, em termos simples, pode ser entendida como a diferença entre os que contraíram a Covid-19 (considerando os casos muito leves que dispensam cuidados médicos) no grupo vacinado e no grupo placebo; já o percentual 78% é respectivo à eficácia da vacina para casos leves – aqueles que precisam de algum atendimento, mas que prescindem de internação; o percentual de 100% indica a eficácia da vacina em relação aos casos moderados (internação hospitalar), graves (internação/UTI) e mortes.

A “verdade matemática” avançada no debate depende da posição ideológica e política de quem fala. O que devemos ensinar aos alunos? Essa função retórica da matemática, isto é: o que significa um número nos debates de sociedade, o que significa um percentual e qual efeito tenta produzir aquele que evoca esse número ou esse percentual.

Essa primeira conclusão vale no que diz respeito ao Ensino Básico, mas importa também na formação dos jovens pesquisadores. Se, entre 31 entrevistados, 24 defendem tal opinião, o pesquisador pode escrever que 77,42% são a favor dessa ideia? Claro que não: uma população pesquisada de 31 pessoas não autoriza tal precisão, cuja única função é produzir uma ilusão de grande cientificidade. A única coisa que pode dizer o pesquisador é que, entre as pessoas com quem falou, aproximadamente três quartos pensam isso.

Vale a pena ressaltar também um assunto que merece uma atenção particular na formação dos jovens pesquisadores: o abandono intelectual das minorias estatísticas e seu efeito na problematização científica. Assim, a Sociologia da reprodução foi construída a partir das estatísticas evidenciando que os filhos das classes favorecidas têm muito mais sucesso na escola do que os filhos das classes populares. Essa estatística é absolutamente inegável e estabelece a desigualdade social frente à escola. Mas restam aqueles casos fora da norma que atrapalham a “ciência normal” (Kuhn, 2013) –e, no decorrer do tempo, são fontes de mudança de paradigma: apesar de tudo, nesse fim da década de 60 do século XX em que Bourdieu e Passeron desenvolvem a sua teoria da reprodução, cerca de 15% dos estudantes universitários são filhos de operários. Analisar a realidade social requer que se dê conta, ao mesmo tempo, da maioria estatística (o grande percentual dos filhos de operários que não acessam à universidade) e das minorias paradoxais (o pequeno percentual deles que, apesar de tudo, conseguem esse acesso). Levar em conta os dois percentuais produz uma mudança fundamental de problemática: de uma teoria da reprodução a uma teoria da relação com o saber considerando também a história singular do sujeito (Charlot, 2000).

Atrás do uso instrumental do objeto matemático, sempre há outra coisa: a relação com a matemática, com o mundo, com a vida, com os outros e consigo mesmo – um conjunto de relações em que, também, se enraízam escolhas ideológicas. Isso não significa que a matemática deixe de ser rigorosa e que o conteúdo matemático passe a ser manipulado, mas a relação com esse conteúdo, ela mesma, não é matemática e essa relação é que fundamenta um uso retórico da matemática, muitas vezes a serviço de um projeto ideológico e político. Poder-se-ia parar a análise neste ponto, mas é interessante aprofundar a reflexão para melhor entender as várias formas de relação possíveis com a Matemática. Afinal de contas, o que significa “fazer matemática”?

O que significa “fazer matemática”? Implicações ideológicas, políticas e identitárias da relação com a Matemática

Começamos pela etimologia. Matemática é uma tradução do adjetivo grego Μαθηματικὴ .Mathēmatikē), derivado da palavra μάθημα .mathêma) ou, mais exatamente, de seu plural μαθήματα .mathêmata). Mathêmataé tudo que pode ser ensinado e aprendido. Vale notar que na sua origem a palavra remete ao conhecimento em geral, à ciência, e não a uma ciência particular. Mais tarde, a Matemática, enquanto disciplina científica, será definida como a “ciência dos números, das medidas, das formas, das regularidades e padrões” (Cavalcanti, 2011, p. 5), cujo corpusde conhecimento moderno é reconhecido pela formalização e pela estrutura axiomática que repousa sob uma lógica interna. Nessa evolução da palavra, é interessante destacar que o termo que hoje designa a ciência dos números e das formas se originou na palavra que significava a Ciência em geral, como se a Matemática fosse a Ciência por excelência, o modelo da Ciência.

Essa oscilação entre, por um lado, uma matemática enquanto saber prático e específico sobre os números e as figuras e, por outro, a Matemática como Modelo e Ideal Científico, atravessa toda a história dessa disciplina. Nas suas primeiras formas, no antigo Egito e na Babilônia e, mais tarde, em grande parte das produções árabes e orientais, a matemática é um conjunto de conhecimentos práticos, cujo critério de verdade é a eficácia atestada na experiência. Usam-se algumas regras gerais, mas não há preocupação com a demonstração.

[Entre os babilônios, a ciência matemática] nasceu e se desenvolveu nos templos como meio indispensável para administração da cidade (construção de edifícios e canais, arrecadação de impostos, divisão de heranças, cálculo de juros etc.), para contar o tempo e para regular as atividades agrícolas e comerciais (Giacardi, 1986, p. 294).4

Essa relação com a Matemática nunca despareceu. Encontra-se, notadamente, na história da arquitetura, da arte militar5 ou do artesanato: precisa-se da matemática para construir catedrais, para prever a trajetória de uma bala de canhão (questão que ocupou alguns grandes matemáticos, como Tartaglia e Galileu) ou para fabricar as lentes dos óculos e dos telescópios (problema que mereceu um trecho do Discurso do Método de Descartes). Contudo, os Gregos propuseram uma outra epistemologia da Matemática, em que a questão da demonstração passou a ser essencial. Platão fundamentou filosoficamente essa epistemologia. Na sua filosofia, o Cosmos é organizada segundo um eixo sensível – inteligível, ou seja, matéria indeterminada – Ideias. A educação deve conduzir o νους (nous, espírito) do sensível para o inteligível, graças à ginástica e à música, fontes de harmonia, à Matemática e à Astronomia, que voltam os olhos da alma para o Céu das Ideias e, por fim, à Filosofia, que é contemplação das Ideias e da Ideia suprema: o Bem, que é também o Bom e o Belo (Platão, 2011). Portanto, as Ideias matemáticas têm uma existência por si próprio e até constituem a porta de entrada no Mundo inteligível. Cabe notar que essa concepção da Matemática ainda é defendida na época contemporânea. Assim, René Thom, criador da teoria das catástrofes, sustenta que os matemáticos têm apenas uma visão incompleta e fragmentária do mundo das Ideias e que as estruturas matemáticas existem independentemente do espírito humano que as pensa (Thom, 1974).

O debate entre o que Desanti chamou de Matemática do Céu (1968) e a matemática pensada como um conjunto de práticas não é puramente epistemológico, uma vez que a opção por uma ou outra tem implicações ideológicas e sociopolíticas.

Em Platão, a finalidade mais alta da educação é o acesso ao Mundo das Ideias, mas nem todos têm uma alma que lhes permita chegar tão alto. Platão distingue três classes de cidadãos: os artesãos, os guardas e os filósofos – os escravos nem entram na classificação, por não serem verdadeiramente humanos. A alma dos artesãos é dominada pelo desejo e, portanto, a virtude deles é a temperança; logo, não precisam de matemática. Tampouco são necessárias para os guardas, cuja virtude é a coragem. Só os cidadãos cuja alma é regida pelo espírito (o νους) podem ter acesso ao Céu das Ideias, pela Matemática e a Filosofia (Platão, 2011).

Apesar de ser mais biólogo do que matemático, Aristóteles vai se lembrar da lição: “o escravo é inteiramente desprovido da faculdade de deliberar; a mulher a possui, mas débil e ineficaz” (2011, p. 75). Assim, instalou-se explicitamente a ideia de que o ensino de Matemática não é para todos, mas apenas para quem tem um espírito abstrato – o que, nas “evidências” das sociedades tradicionais, obviamente não é o caso dos pobres e das mulheres. É só ler, por exemplo, o resumo dos discursos no Senado durante os debates sobre a primeira grande lei educacional do Brasil em 1827.

Sobre as contas, são bastantes [para as meninas] as quatro espécies, que não estão fora do seu alcance e lhes podem ser de constante uso na vida. O seu uso de razão é mui pouco desenvolvido para poderem entender e praticar operações ulteriores e mais difíceis de aritmética e geometria. Estou convencido de que é vão lutar contra a natureza. (Senador Visconde de Cayru)

Em geral, as meninas não têm um desenvolvimento de raciocínio tão grande quanto os meninos, não prestam tanta atenção ao ensino. Parece que a sua mesma natureza repugna o trabalho árido e difícil e só abraça o deleitoso. Basta-lhes o saber ler, escrever e as quatro primeiras operações da aritmética. [...]. O que importa é que elas sejam bem instruídas na economia da casa, para que o marido não se veja obrigado a entrar nos arranjos domésticos, distraindo-se dos seus negócios. (Senador Marquês de Caravelas)

Sou também da opinião que se devem reduzir os estudos das meninas a ler, escrever, contar e gramática portuguesa, porque não sei de que lhes possa servir o aprender a prática de frações, decimais e outras operações que não são usuais. [...]. A mulher é um ente mui diverso do homem. O que ela deve saber é o governo doméstico da casa e os serviços a ele inerentes, para que se façam boas mães de família. (Senador Marquês de Maricá) (Westin, 2020).

Apenas um senador, na ocasião dos debates, manifestou um pensamento diferente, defendendo um currículo idêntico em Matemática para ambos, meninos e meninas: “Em todas as nações cultas se dá às meninas essa instrução e parece-me que devemos adotar essa mesma prática” (Senador Marquês de Santo Amaro). No seu artigo 12, a lei decidiu que as mestras, “limitando a instrução da Aritmética só às quatro operações”, “com exclusão das noções de Geometria”, “ensinarão também as prendas, que servem à economia doméstica” (Westin, 2020). Hoje, quase duzentos anos mais tarde, as moças estudam Matemática nas universidades, mas temos mesmo a certeza de que preconceitos desses despareceram e que não há mais ninguém que pensa que Matemática é para rapazes e Economia doméstica para moças?

Será que a relação com a matemática enquanto conjunto de práticas é mais pragmática e menos ideológica e política que a relação com a Matemática do Céu? As práticas matemáticas desenvolveram-se em grandes impérios, babilônicos e egípcios, e os escribas que as usavam eram uma elite a serviço do Império e dos templos. Sendo assim, as matemáticas eram instrumentos de poder, como não poderia deixar de ser quando se tratava de administração, de gestão de terras, de herança, de impostos, de juros etc.

Elas continuam sendo instrumento de poder na sociedade contemporânea, como mostra de forma claríssima a história da chamada reforma da matemática moderna, nos anos 60, 70 e 80 do século XX. O evento que deu início a essa reforma era científico, mas também, político e até militar: o lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik, pela União soviética, no dia 4 de outubro de 1957. Preocupada por esse sucesso técnico e industrial da URSS, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que lidera o mundo liberal, organiza em 1959 o Seminário de Royaumont, na França, dedicado a uma reflexão sobre o ensino da Matemática. A seguir, se produz uma mobilização das autoridades, dos políticos, das Academias, das organizações de docentes sobre esse ensino e o das Ciências.

Trata-se de melhorar a educação matemática, científica e tecnológica para seguir liderando o mundo, como expresso sem ambiguidade por dois relatórios dos Estados-Unidos, em 1983. O primeiro, redigido pela National Commission on Excellence in Education (Commissão Nacional sobre a Excelência em Educação) ficou famoso: A Nation at Risk: The Imperative for Educational Reform (Uma nação em risco: A necessidade de reformar a educação) (National Commission on Excellence in Education, 1983). No segundo relatório, o National Science Board (Conselho Científico Nacional) propõe um plano de ação: Educating Americans for the 21st Century: A Plan of Action for Improving Mathematics, Science and Technology Education for All American Elementary and Secondary Students So That Their Achievement Is the Best in the World by 1995 (Educar os Americanos para o século XXI: um plano de ação para melhorar a educação matemática, científica e tecnológica de todos os alunos americanos do ensino primário e secundário para que seu sucesso seja o melhor do mundo em 1995).

Continuamos a liderar porque nossos melhores alunos ainda não foram superados. Continuamos a liderar porque nossas universidades, nossas indústrias, nossos recursos e nossa prosperidade atraem os melhores talentos de todo o mundo. Mas essa vantagem é precária. [...] Não devemos dar aos nossos filhos uma educação dos anos 1960 para o mundo do século XXI (National Science Board, 1983, p. V).6

Alguns anos mais tarde, em 1989, o National Council of Teachers of Mathematics (Conselho Nacional dos Professores de Matemática) publica o texto Curriculum and Evaluation Standards for School Mathematics (Currículo e Padrões de Avaliação para a Matemática escolar), que define dois princípios básicos de uma reforma do ensino da Matemática. O primeiro é claramente sociopolítico: uma nação não deve negligenciar nenhum talento potencial e, portanto, todos têm que receber uma educação matemática, incluídos os pobres e as mulheres. O segundo princípio é pedagógico e diz respeito à relação com a Matemática: ela deve ser ensinada de forma não dogmática, com o método de problem-solving (resolver problemas) e até de real-world problems (problemas do mundo real).

Esse esboço histórico mostra que a questão central é a da relação com a Matemática. Essa relação enraíza-se em uma relação com o mundo e com a vida humana que tem implicações ideológicas e políticas, e, ao mesmo tempo, ela gera práticas pedagógicas específicas. Podem-se observar três posições.

A primeira é a relação com a Matemática do Céu, já analisada: as Ideias matemáticas têm uma existência por si mesmo e a atividade do matemático é visão, contemplação, teoria no sentido etimológico da palavra grega, ela não é criação, produção de algo novo. Nessa perspectiva, o ensino da Matemática é pensado para quem tem um espírito capaz da abstração mais apurada – sendo que as mulheres, descritas como mais emotivas que racionais e as categorias sociais mais pobres, rotuladas como "manuais", não são consideras suficientemente inteligentes para entender a matemática além de algumas operações aritméticas simples.

No outro polo, encontra-se essa relação que Charlot denominou “as matemáticas da Terra”, em oposição à Matemática do Céu (Charlot, 1991b, p. 136): a matemática existe como estrutura do mundo e a atividade do matemático visa a extrair das coisas a matemática que nelas existem. “Essa concepção epistemológica da matemática está na base daquela forma de pedagogia nova que pretende que a criança descubra a matemática pela simples manipulação do concreto" (Charlot, 1991b, p. 136, grifo do autor).7 Essa relação com a Matemática é muito mais democrática que a precedente, já que ela propõe a todas as crianças uma exploração matemática do mundo. Mas ela compartilha com aquela a ideia de que há matemática no mundo, em um caso como mundo transcendente ou, no outro, enquanto estrutura imanente do mundo. Em ambos os casos, fica escondida ou depreciada a atividade humana de criação e se desenvolve a suspeita de que haja um segredo matemático do mundo, acessível apenas por poucos.

Defendemos uma terceira posição: a Matemática não é contemplada nem descoberta, é criada pela atividade coletiva dos seres humanos, no decorrer da sua história. Essa atividade produz novos objetos matemáticos e novas práticas, muitas vezes para resolver problemas levantados pela sociedade da época, mas também, às vezes, ao enfrentar dificuldades internas ao campo matemático já construído. “Fazer matemática, é FAZER, no sentido estrito da palavra, construí-la, fabricá-la, produzi-la” (Charlot, 1991a, p. 174, maiúsculas pelo autor).8

Existe um mundo matemático? Sim, uma vez que não se pode dizer qualquer coisa em Matemática, os novos enunciados devem ser coerentes com os que já foram admitidos, mas esse mundo não antecede os seres humanos em um Céu de ideias puras, ele foi construído por eles no decorrer da sua história. Existe matemática dentro do próprio universo, como uma estrutura profunda? Não, não há matemática no universo. Não obstante, esse universo não se produziu ao acaso, ele próprio é o desenvolvimento de estruturas iniciais, as da massa-energia do Big Bang ou do encontro de dois genomas quando o espermatozoide fecunda o óvulo. Nesse sentido, portanto, pode-se dizer que há ordem, organização, padrão no universo, embora haja também entropia e caos. Para entender essa ordem, essas estruturas e mesmo o próprio caos, o espírito humano constrói modelos, códigos e, a partir deles, formula enunciados matemáticos. Também, ele organiza esses enunciados, elabora sistemas e resolve problemas oriundos da sua própria atividade matemática anterior.

Pode-se entender por que existem essas ilusões de Matemática do Céu e da Terra, mas são apenas ilusões. Epistemologicamente, historicamente, a Matemática é produto da atividade humana e, portanto, é assim que ela deve ser ensinada: como uma atividade para resolver problemas e, também, para criar novos problemas, às vezes relacionados com a vida “concreta” e familiar, outras vezes para o simples prazer de resolver, criar, experimentar-se como um ser humano, herdeiro e criador.

A Matemática é sempre um produto social porque ela é criada em determinadas condições sociais; é-o, também, quando visa resolver um problema econômico, social etc. E ao sê-lo, como já assinalamos, ela não deixa de ser rigorosa. Mas a prática da matemática tem uma dimensão ideológica e política mesmo quando ela não remete a qualquer condição social específica de produção, por exemplo quando se tenta resolver uma dificuldade interna do campo matemático. Esse significado ideológico decorre da relação que se mantém com a Matemática. Descobrir Matemática que já existe como ideias platônicas ou como estruturas profundas da realidade, é aceitar o mundo como ele é, na sua realidade profunda e essencial. Relacionar-se com a matemática enquanto produto da atividade humana é entender que os seres humanos constroem seu mundo, material e simbólico, por uma atividade coletiva que liga as gerações. Se o mundo é construído pelos homens e pelas mulheres, inclusive no que parece mais inatingível, sagrado e fora de qualquer discussão, como parecem ser a Matemática, então, talvez nós possamos mudar nosso mundo. Esse é o ponto chave do assunto: a relação com a Matemática.

Portanto, vale a pena dar mais alguns passos para frente, a partir das pesquisas sobre a relação com o saber (Cavalcanti, 2015; Charlot, 2000). Seja qual for a especificidade de uma área de conhecimento, a relação com o saber sempre apresenta três dimensões, indissociáveis: epistêmica, identitária e social.

Para se tornar um ser humano, é preciso aprender muitas coisas, em processos bastante diferentes, de tal modo que existem várias figuras do aprender (Charlot, 2000). Essas figuras podem ser definidas a partir dos efeitos que produz o processo de aprender: o que foi aprendido pode ter a forma de novas possibilidades inscritas no corpo (andar, nadar, atar seus cadarços etc.), de novas relações intersubjetivas e consigo mesmo (mentir, seduzir etc.) ou de enunciados, cotidianos ou científicos. Esses enunciados são produzidos por um processo de objetivação e denominação, gerando um objeto específico de discurso e conhecimento: o que era o Sol que nos esquenta ou a água que se bebe passa a ser um objeto de opinião ou de análise, tendo uma forma de existência em si mesmo graças à linguagem (Charlot, 2000).

Tal processo de geração de um objeto analítico requer certa distanciação com a experiência cotidiana e quanto mais científico o discurso pretende ser, maior deve ser essa distância: na vida, o Sol nasce e se põe, na ciência, ele é o centro imóvel de um sistema particular de nossa galáxia. A forma mais apurada desse processo de distanciação, objetivação e denominação é aquela que produz a atividade matemática: o objeto matemático só existe ao ser nomeado, recusa toda forma sensível e, nos raciocínios, seu próprio nome é substituído por um símbolo. Sendo assim, não se pode estranhar que ele seja considerado como um ser puramente inteligível, no Céu das Ideias. Mas, de fato, esse objeto matemático é o produto de uma atividade epistêmica particular de distanciação, apuração, criação, denominação.

Essa atividade epistêmica é uma forma específica de habitar o mundo e de apropriar-se dele. Pode-se ocupar o mundo como espaço de ação, de relações afetivas, de construção da sua subjetividade, de atividade simbólica que, ela mesma, pode ser de tipo artístico, literário ou científico – como forma dominante de relação com o mundo ou como formas que se sucedem de acordo com os momentos da vida. A atividade matemática é uma forma particular de se apropriar o mundo e de criar mundos simbólicos específicos. Os processos que ela propõe são acessíveis a todo ser humano, uma vez que o gênero Homo e a espécie Sapiens9 foram produzidos e se produziram, no decorrer da evolução, pelo distanciamento para com os seus ambientes iniciais ("naturais") de vida e pela construção concomitante de mundos humanos (Charlot, 2020). A matemática é um produto dessa atividade de criação técnica e simbólica que acompanha e alimenta o processo antropológico.

Desse ponto de vista, cada pequeno Sapiens é herdeiro potencial da matemática, criada pela atividade coletiva das gerações que o antecederam. No entanto, é importante levar em conta que nunca as relações com o mundo são puramente epistêmicas, porque sempre envolvem relações sociais. Em espaços sociais marcados pelas hierarquias e as desigualdades, o ensino de objetos e operações oriundos de um processo epistêmico de distanciamento para com a experiência cotidiana pode também contribuir para ideologias elitistas e reprodução social pela escola. Obviamente, as práticas escolares são fundamentais para decidir qual será a relação com a Matemática e seus efeitos ideológicos e políticos.

Por fim, além de ser epistêmica e social, a relação com o saber sempre apresenta também uma dimensão identitária. Com efeito, cada sujeito humano tem a sua própria história, uma história de apropriação do mundo e de sua herança antropológica, que é também a da construção de si mesmo (Charlot, 2020). A tese de doutorado de Claudia Broitman, dedicada à alfabetização matemática de adultos, evidenciou muito bem essa dimensão identitária (Broitman, 2012; Broitman e Charlot, 2014). Por exemplo, Isabel (53 anos), que ainda sofre por não ter ido à escola quando era criança, estuda porque é uma forma atual de ir à escola. A escola permite a Vicente (56 anos), dono de uma pequena empresa, não mais depender de outras pessoas no seu trabalho, de ser independente. Julia (47 anos) conseguia resolver seus problemas cotidianos com os números, mas ela passou a ser ajudante de tesoureira na sua igreja e cuidar do dinheiro de Deus requer a verdadeira Matemática, aquela da escola. Por que estudar, quando se tem quarenta ou cinquenta anos? A resposta nunca é apenas utilitária.

Estudam para “crescer”, para “voar”, para “ativar a mente”, para “ser um rapaz que sabe”, para que “meu filho não tenha vergonha”, porque “Deus quer que eu estude”, para “ajudar meu marido”, para “esquecer meus problemas”, para “colocar a mente para trabalhar”.

Para os adultos que sofreram várias limitações em suas vidas, incluindo a ausência do estudo escolar da matemática, aprender matemática não significa apenas dotar-se com instrumentos úteis, mas sim lidar com questões identitárias: eles mudam seus mundos, mudam suas relações com os outros, transformam a si mesmos. É neste ponto da construção de um sujeito epistêmico a partir de um sujeito singular, social, temporal, que se encontram as preocupações didáticas com as teorizações sobre a relação com o saber. (Broitman e Charlot, 2014, p. 24 e 33).10

Por condição antropológica, a relação com a Matemática é sempre, ao mesmo tempo, uma relação epistêmica, identitária e social. Ensinar a Matemática é transmitir um conteúdo intelectual e metodológico: evidentemente, não é o político nem a opção ideológica do professor que deve decidir do que se vai pesquisar e ensinar. Mas ensinar a Matemática é também contribuir para construir uma relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo. Sempre existe essa dimensão do ensino e ignorá-la é ser vítima ingênua de uma ilusão de pureza e neutralidade. O ensino da Matemática pode e, em nosso entendimento, deve participar da formação do cidadão e do sujeito. Nesta perspectiva, a Matemática é também uma ciência humana, em vários sentidos desse adjetivo.

Bibliografia

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Notas

1 Qu’on le veuille ou non, enseigner les mathématiques, c’est dire quelque chose sur les mathématiques, sur l’homme et sur la société (tradução nossa). Originalmente publicado em 1978 na edição 7 do Bulletin de l'IREM de Nantes, o texto foi posteriormente reproduzido em vários periódicos franceses, como Dialogue. Cahiers Galilée.
2 Pitágoras e sua escola pensavam que o mundo é regido por números. A segunda lei de Newton é o princípio fundamental da Dinâmica (Força = massa x aceleração, de que se deduz o peso ou a força da atração gravitacional P= mg, sendo . igual a 9,81 m/s2). A formula mais famosa do século XX, de Einstein, define a relação da energia com a massa: E=mc2, sendo c a velocidade da luz.
3 Infelizmente, temos vivido um período marcado por fakenews, intolerâncias, discursos de ódio e negacionismo científico, no qual testemunhamos esse adjetivo pátrio ser utilizado politicamente e ideologicamente num sentido pejorativo e xenofóbico – vírus chinês, vacina chinesa.
4 [Chez les Babyloniens, la science mathématique] est née et s’est développée dans les temples comme moyen indispensable pour l’administration de la ville (construction d’édifices et de canaux, perception d'impôts, division des héritages, calcul des intérêts etc.), pour le compte du temps et pour régler les activités agricoles et commerciales.
5 Por exemplo, o ensino de Matemática foi importante na formação do militar e do engenheiro no Brasil império para fins de artilharia e construção de fortificações.
6 We continue to lead because our best students are still unsurpassed. We continue to lead because our universities, industries, resources and affluence attract the finest talent from throughout the world. But this is a precarious advantage. [...] We must not provide our children a 1960s education for a 21st century world.
7 Cette conception épistémologique des mathématiques est à la base de cette forme de pédagogie nouvelle qui prétend faire découvrir les mathématiques à l'enfant par la simple manipulation du concret.
8 Faire des mathématiques, c'est les FAIRE, au sens propre du terme, les construire, les fabriquer, les produire. Oriundo de uma conferência em 1986, o texto foi publicado em 1987 no Bulletin de l'APMEP.
9 Em princípio, a palavra “Sapiens” deveria ser escrita com itálicos, por ser uma palavra latina. Mas consideramos que ela passou a fazer parte da língua nacional em vários idiomas e é de propósito que não usamos itálicos.
10 Estudian para “crecer”, para “volar”, para “activar la mente”, para “ser un tipo que sabe”, para que “mi hijo no tenga vergüenza”, porque “Dios quiere que estudie”, para “ayudar a mi marido”, para “olvidarme de mis problemas”, para “poner la mente a trabajar”. Para los adultos que sufrieron en sus vidas limitaciones diversas que incluyen la ausencia de estudio escolar de matemática, aprender matemática no les significa apenas dotarse de instrumentos útiles, sino que interpela cuestiones identitarias: cambian sus mundos, cambian sus relaciones con los otros, se transforman a sí mismos. En este punto de construcción de un sujeto epistémico a partir de un sujeto singular, social, temporal, se encuentran las preocupaciones didácticas y las teorizaciones sobre la relación con el saber.

Recepción: 29 Septiembre 2021

Aprovación: 16 Febrero 2022

Publicación: 01 Junio 2022

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